O Ensaio dos Abutres ensina como o fim pode ser sinal de recomeço
Em cena entre sexta-feira e 4 de outubro, em Vila Real
O Ensaio dos Abutres ensina como
o fim pode ser sinal de recomeço
Peripécia Teatro estreia espetáculo, numa coprodução com a ONGA Palombar, que procura alertar para a importância das aves necrófagas
Abutre: ave de rapina que se alimenta de animais mortos; pode alcançar até um metro de comprimento; tem asas compridas e cauda curta. Assim pode ser definida esta ave necrófaga, contudo a sua simbologia vai muito mais longe. Da importância da sensibilização do público para o papel determinante que esta espécie tem para o ecossistema, passando pelas preocupações ambientais da Peripécia Teatro, e do trabalho da Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, organização não governamental de ambiente (ONGA), nasceu O Ensaio dos Abutres. O espetáculo, que teve como ponto de partida o estudo científico e histórico destas aves, tendo evoluído para a experimentação e pesquisa cénicas, tem estreia marcada para sexta-feira, 25 de setembro, às 21h30, no A Cena, em Vila Real.
Sinónimos para abutres há muitos: “impiedoso”, “implacável”, “duro”, “desumano”, “maldoso”, “feroz”, “cruel”, “perverso” ou “maléfico”. Já “antónimos de abutre: só um? Humano”. Assim contam Francisca e Xico – interpretados por Noelia Domínguez e Sérgio Agostinho, também responsáveis pela criação do espetáculo – enquanto refletem sobre as formas de desprezo e perseguição desta espécie animal, quer através da palavra ou da “caçadeira”. O Ensaio dos Abutres procura, por isso, promover uma reflexão sobre a perceção distorcida que existe sobre estas aves, denunciando ainda os diferentes tipos de caça furtiva de que são vítimas.
O texto, que é apresentado pela primeira vez, tem por base excertos de diferentes obras e manifestos de autores como Baudelaire, David Abram ou Niall Binns. Mas não só da “palavra” vive O Ensaio dos Abutres. Dança, poesia, movimento, ironia, humor e música – interpretada ao vivo pelos multi-instrumentistas Vitor Hugo Ribeiro e Tiago Santos –, são algumas das linguagens que reforçam a contemporaneidade da criação.
O ensaio que explica como estas “aves penetrantes nos podem ver a nós, os humanos, nas nossas pequenas vidas, nos nossos preconceitos, nos nossos medos ancestrais à morte, (…) à possibilidade de haver, ou não, o mais além”, abre uma porta a este fim que pode, afinal, ser um recomeço. Sob a direção de Luís Blat, O Ensaio dos Abutres sobe ao palco do espaço A Cena – localizado no antigo quartel da Associação Humanitária Bombeiros Cruz Branca, Rua D. Margarida de Chaves, nº 63, em Vila Real – à sexta-feira e sábado, às 21h30; e ao domingo, às 18h30. Após esta temporada inaugural, o espetáculo “ruma” ao Fundão (9 de outubro), Caminha (10 de outubro), Sabrosa (30 de outubro), Macedo de Cavaleiro (14 de novembro), Palmela (5 e 6 de dezembro), Bragança (22 e 23 de janeiro) e Tondela (12 de fevereiro).
Luís Blat: entre França, Espanha e Portugal
O Ensaio dos Abutres não é a primeira colaboração de Luís Blat com a Peripécia Teatro. O criador tem vindo a desenvolver espetáculos com a companhia de Vila Real como Sou do Tamanho do que Vejo (2006) e Caso Hamlet (2014). Luís Blat já trabalhou com nomes como Michael Cacoyannis, José Luis Gómez, Lluís Pasqual ou Georges Lavaudant em peças de Eurípides, Rodolf Sirera, David Hare, Bernard-Marie Koltés, Georges Feydeau, Sófocles e Molière. Ao longo dos anos desenvolveu produções para alguns dos mais emblemáticos teatros espanhóis como o Teatro Español, Teatre Nacional de Cataluña e Teatro de la Abadía. Luís Blat trabalhou ainda com Antoine Vitez na Comédie Française e fez assistência de encenação na Companhia Nacional de Teatro Clássico de Espanha.
Península Ibérica o local europeu predileto para os abutres
Pelas suas arribas, montanhas, escarpas, rios, reduzida ocupação humana e agricultura e pecuária extensivas, as regiões limítrofes entre Portugal e Espanha reúnem os requisitos ecológicos ideais para as diferentes espécies de abutres europeus. Por isso mesmo, mais de 90 por cento da população europeia destas aves encontra-se na Península Ibérica, tornando-se imperativa a sensibilização para o papel dos abutres nos ecossistemas, assim como a conservação destas espécies.
Projeto “Sentinelas”: no combate ao uso ilegal de venenos em Portugal
Através da marcação, com dispositivos GPS e anilhas nas espécies necrófagas, o projeto “Sentinelas” – responsável por dar o mote a O Ensaio dos Abutres – procura recolher informação sobre o uso ilegal de venenos no norte de Portugal, ou outras formas de furtivismo, que representam um problema para a conservação da biodiversidade, dos ecossistemas e para a saúde pública. A iniciativa resulta de uma parceira entre a Palombar e a Universidade de Oviedo, em Espanha, sendo financiada pelo Fundo Ambiental – Ministério do Ambiente e da Transição Energética.