Estreia do espectáculo "A Passagem das Horas"
Fui a uma apresentação do poema de Álvaro de Campos - “A Passagem das Horas” - dito por um rapaz que eu não conhecia. Gostei a sério. [...] Um ambiente intimista, com os bancos da igreja dispostos em círculo, todo o espaço do centro livre para o ator se movimentar. Tocavam a 1a Sinfonia de Mahler. Luz de velas, que cria sempre um ambiente recolhido e vai buscar coisas ao fundo da gente. E foi sobretudo o ator no seu solilóquio, a encarnar Álvaro de Campos num misto de fascínios e angústias face às maravilhas e aos pavores da época moderna. Gostei muito dele, na sua entrega que conseguiu arrebatar o público. Absolutamente!
In “Um Punhado de Areia nas Mãos”, Maria João Ruivo – Ed. Letras Lavadas.
Foi em Junho de 2015 que o actor Nelson Cabral estreou no Teatro Micaelense, nos Açores, o espectáculo “A Passagem das Horas”, de Álvaro de Campos, uma das pessoas de Pessoa.; a qual, segundo o próprio poeta, – “É o personagem de uma peça, o que falta é a peça”.
Pois bem, é isso que o tal rapaz actor de que fala a escritora açoreana Maria João Ruivo retraz agora no devolver à cena a dramaturgia, a encenação e a interpretação que fez da inacabada ode pessoana “A Passagem das Horas”. Recuperando as palavras do Prof. Luiz Fagundes Duarte da FCSH da Universidade Nova de Lisboa - “Eis a peça em que actua Álvaro de Campos”, maneira outra de dizer que Nelson Cabral se empresta em pessoa ao autor como possibilidade de restituição dessa incerta orfandade de palco de que padece, segundo Pessoa. Fê-lo nessa auspiciosa estreia e, muito justamente, repetida e repercutida nos vários palcos do público do arquipélago, de que é natural.
Em entrevista ao jornalista Xavier Pereira para o blog da Buzico!, o actor refere a propósito dos propósitos da feitura do espectáculo que o mesmo “(...) reflecte muito sobre as sensações; sobre aquilo que o ser humano almeja, aquilo que passa para ter uma condição de vida nesta esfera global que não pára.” Fotografia cénica dos contrários duma humanidade face aos ditames duma modernidade obsidiante e cujo permanente devir o poema trágico mantém pleno de actualidade e de futuro e talvez nisso resida a ‘modernidade' do modernismo conceptual e epocal do texto; talvez não por acaso inacabável.
Convenhamos que são razões mais do que sobejas para a Buzico! Produções Artísticas se sentir feliz por assumir a produção da apresentação d’ “A Passagem das Horas” em seis datas em Lisboa (25, 26 e 27 de Agosto e 1, 2 e 3 de Setembro, às 22h00), proporcionando ao público da cidade assistir a este feliz acontecimento de palco o qual, simbolicamente, marca o regresso do actor à residência artística continental permanente, depois de dez anos de plena vivência artística insular.
E a Buzico! fá-lo em conjunto com o Village Underground Lisboa, que vê assim assinalada da melhor forma a estreia do acolhimento de espectáculos de Artes Performativas no seu recinto de festas e de eventos, recentemente inaugurado. E de maior sentido festivo se reveste esta estreia em Lisboa porque o actor Nelson Cabral, generoso, associa o seu espectáculo à celebração do sexto aniversário da produtora (dia 25 de Agosto) como pedra de fecho da programação.
Os bilhetes ainda esta semana serão colocados à venda na BOL e demais locais habituais e com suporte de informação poderá consultar o sitio da Buzico! na internet e bem assim as suas páginas no Facebook e na BOL.
Agenda
A Passagem das Horas / Álvaro de Campos [Fernando Pessoa]
Village Underground Lisboa / Museu da Carris – Rua 1.º de Maio (Alcântara)
Dias 25, 26 e 27 de Agosto, às 22h00;
Dias 01, 02 e 03 de Setembro, às 22h00
Transportes: E15, 714, 720, 727, 732, 738, 760 (Carris) Estação Alcântara-Mar (CP)
Sinopse:
FERNANDO PESSOA disse um dia que “Álvaro de Campos é o personagem de uma peça; o que falta é a peça” – o que se pode aplicar à ode “A Passagem das Horas” que o poeta deixou inacabada e a que Nelson Cabral vem agora dar corpo.
Poema trágico por natureza, “A Passagem das Horas” é a expressão do homem moderno que procura encontrar-se, que quer saber de si, que deseja acompanhar o louco movimento do mundo, para, no final, concluir que tudo é nada: Álvaro de Campos deseja para si toda a experiência do mundo e, como uma esponja informe, absorver todos os tipos de pessoas, sentir a vida dos outros, seguir o movimento dos corpos, habitar em todos os lugares, comungar de todos os costumes – enfim, captar todos os sentidos do seu tempo.
Mas, dividido entre a paralisia em que se encontra e a velocidade a que aspira, entre tudo querer e em tudo falhar, entre a renúncia e a integração, entre o êxtase e o enjoo, entre o trágico e o esperançoso, o poeta assiste ao tempo que se esvai, assume a sua relatividade, e acaba por se reconhecer como saudade.
É esta a personagem da peça. E agora, encenada pela voz e pelo corpo de Nelson Cabral, eis a peça em que actua Álvaro de Campos – o poeta que se esvaía entre o sentir de mais e o sentir
de menos.
Ficha Técnica e Artística:
Autor: Fernando Pessoa | Álvaro de Campos
Dramaturgia: Nelson Cabral
Encenador: Nelson Cabral
Interpretação: Nelson Cabral
Multimédia: Luís Andrade
Operação Técnica: Paulo Santos
Espaço Cénico: Mira Correia e Nelson Cabral
Fotografia Cartaz: Fernando Resendes
Fotografia de Cena: Fernando Resendes
Produtor: Duarte Nuno Vasconcellos
Produtor Executivo: Luís de Macedo e Ruy Malheiro
Assistente de Produção: Ulisses Almeida
Produção: Buzico! Produções Artísticas
Saudações teatrais