exposição "Pão, Carne e Água: Memórias de Lisboa Medieval"l"
”Pão, Carne e Água: Memórias de Lisboa Medieval” inaugura amanhã na Torre do Tombo
Inaugura amanhã, dia 23 de abril, pelas 18h00 no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a exposição “Pão, Carne e Água: Memórias de Lisboa Medieval”. Uma iniciativa conjunta do Arquivo Municipal de Lisboa e do Instituto de Estudos Medievais e que conta com a coordenação científica de Amélia Aguiar Andrade e de Mário Farelo.
A exposição que irá permanecer aberta ao público até 26 de julho, tem como objetivo dar a conhecer o rico património documental sobre a Idade Média, conservado pela Câmara Municipal de Lisboa, partindo de um projeto de investigação dotado de uma forte componente científica de pesquisa e levantamento de documentação sobre o tema. A exposição pretende recuperar quotidianos associados ao abastecimento alimentar da cidade de Lisboa medieval tendo como protagonistas o pão, a carne e a água.
Nesta mostra poderão ver vistos vários documentos do Arquivo Municipal de Lisboa, assim como peças do Museu de Lisboa, do Castelo de São Jorge e do Centro de Arqueologia de Lisboa, do Museu de Metrologia, do Archivo Real y General de Navarra, e do Arquivo Nacional / Torre do Tombo, nomeadamente o pergaminho recentemente adquirido por aquela instituição via OLX.
Será também lançado o catálogo desta exposição no próximo dia 30 de maio, no âmbito de um colóquio subordinado ao mesmo tema, que irá decorrer no Arquivo Nacional de Torre do Tombo, e que permanecerá como testemunho documental da exposição e servirá de apoio ao visitante na descoberta da mesma.
Comer e beber em tempos medievais
«A alimentação medieval assentava num imaginário que valorizava o consumo de carne, alimento por excelência dos ricos, dos fortes e dos poderosos. Um alimento de prestígio, cuja privação constituía sinal de castigo, fraqueza e pobreza. Com o peixe, substituto preferencial da carne em dias «magros», conotava-se a ideia de santidade, influenciada por uma cultura monástica que, como sublinha Iria Gonçalves, «assentava na valorização do peixe e dos legumes como alimentos inocentes, tanto para o corpo para a alma».
Dependendo o seu consumo dos gostos e capacidades económicas de cada um, somente o pão se tornava imprescindível na mesa medieval, porquanto servia de acompanhamento a praticamente todos os restantes alimentos. Na maior parte das vezes, o seu consumo acompanhava o do vinho. Nesta zona do globo, propícia à produção vinícola, o vinho constituía a bebida por excelência, acessível a todos, tanto tinto como branco, ainda que nem sempre de boa qualidade.
Complementado a tríade tradicional (pão, vinho, carne/peixe), a alimentação medieval ocidental caracterizava-se por um uso significativo de produtos vegetais, aproveitando os espaços existente nos campos e mesmo nas cidades em que se podiam cultivar diferentes produtos hortícolas, com a excepção da batata, introduzida na Europa somente no século XVI. Em paralelo, fazia parte da dieta medieval a fruta. Tal era o caso no reino de Portugal, como se depreende das inúmeras referências a árvores de frutos na documentação medieval portuguesa.
Condimentavam-se os pratos com gorduras e temperos. Se na mesa medieval se poderia encontrar com frequência o toucinho, cabia ao azeite o lugar incontestado de gordura por excelência da cozinha medieval portuguesa, relegando a manteiga para a confeção de pratos mais refinados. Nesses últimos poderiam igualmente participar as especiarias, reservadas pelo seu alto custo às gentes de posses. Assim, temperava-se com acidulantes como o agraço ou o vinagre e, menos frequentemente, com o limão. Em sentido contrário, adoçava-se sobretudo com mel, dado o preço exorbitante que o açúcar atingira no período medieval.
Mais do que simplesmente uma necessidade biológica primária, as escolhas alimentares efetuadas, pela disponibilidade e capacidade de aquisição dos produtos utilizados, acabavam por espelhar, afinal, o lugar ocupado por cada pessoa na sociedade.»
Texto de Mário Farelo