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Cultura de Borla

A Cultura que não tem preço.

Peter Webber, realizador de Rapariga com Brinco de Pérola: "Portugal tem um lugar especial no meu coração"

FEST – Coca-Cola Cool Down

13 – 15 de Agosto de 2017

Praia Fluvial do Tabuão | Festival Vodafone Paredes de Coura

 

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A propósito do ciclo de cinema que o o FEST - New Directors | New Films Festival promoveu nos dias anteriores ao Vodafone Paredes de Coura (com o apoio da Coca-Cola), esteve em Portugal Peter Webber, que recentemente realizou o filme da BBC "Earth: One Amazing Day" e a série "Tutankhamun". Conversamos com o realizador sobre o seu novo projecto ("Medusa"), música e ecologia, havendo ainda espaço para temas como a crise dos refugiados e Trump:

- Estamos aqui em Paredes de Coura, que marca a tua visita a Portugal número...
Peter Webber: Ora bem, já estive no FEST - New Directors | New Films Festival duas vezes, fiz um workshop FEST Film Lab, já filmei um anúncio cá, há vários anos, o que faz desta a minha quinta visita cá. Talvez sexta, na realidade!

- Mas são só projectos relacionados com cinema que te fazem voltar?
PW - Não, de todo! São vocês, as pessoas. Tornei-me amigo do FEST, tornei-me amigo das pessoas do FEST e Portugal ganhou um lugar especial no meu coração. Por isso fico sempre feliz por voltar e gosto particularmente do FEST porque, ao contrário de festivais grandes do mundo todo, como Cannes, Veneza ou Berlim, é um festival pequeno muito importante por se focar em novos realizadores, em primeiras e segundas obras e tem, para mim, uma atmosfera muito única. Sou um grande fã do trabalho educacional que é feito. E quando se envelhece, enquanto cineasta - tenho medo que isto soe um bocado pretensioso [suspiro] - mas é importante dar algo de volta, dar a ajuda que consigamos, e se se tem alguma experiência, partilhar os benefícios da mesma com cineastas mais jovens. O mundo está a mudar muito e é muito diferente do que era quando eu comecei, mas a arte [do cinema] em si e as práticas do mesmo não mudaram assim tanto. O que se financia, o que as pessoas vêem, pode ser diferente mas, na essência, é um meio que não mudou assim tanto. Há certas verdades universas e intemporais. Acho que é importante os cineastas mais velhos não se preocuparem só com as suas carreiras, mas com ajudar os novos cineastas também.

- Preocuparem-se com o estado geral da arte?
PW - Exactamente. Pode não ser verdade, mas a mim parece-me que a cultura do cinema já não tem a mesma importância na cultura em geral porque há tão mais coisas agora: videojogos, internet: o mundo é muito mais rápido e ocupado - o cinema tem de lutar mais pelo seu espaço. Não sei se podemos dizer que se desvalorizou, mas se pensarmos nisso, há 15 anos faziam-se muito menos filmes e agora fazem-se imensos. Somos tão assoberbados por imagens em todas as esferas da nossa vida, que é importante que o cinema - a arte - não perca a sua voz e não sirva só o propósito de entreter.

- O motivo pelo qual estamos aqui, é porque vai ser exibido no FEST - Coca-Cola Cool Down o teu documentário Ten Billion, no contexto do Festival Vodafone Paredes de Coura que, como podes ver, decorre num local bastante diferente do habitual para festivais de música e cuja organização faz um esforço enorme para o manter assim, através de várias políticas sustentáveis. Daquilo que já viste, o que achas do evento?
PW - Ainda só estive aqui algumas horas, mas comparado com festivais que já vi, sente-se que é diferente. A escala funciona, é mais contido, não é tão sobrepopulado e sujo - o facto de as pessoas estarem preocupadas com reciclagem e todo o impacto global do evento é super-importante. Talvez seja um sinal de os tempos estarem a mudar. E, para ser honesto, é mesmo importante para esta geração: há aqui muita gente jovem e são eles que vão acartar com as mudanças muito preocupantes que se avizinham. Porque quando atingirem a minha idade, o mundo pode ser um lugar muito, muito diferente. Por isso, quanto mais as pessoas agora se preocuparem com estas questões, melhor. É por isso que me agrada tanto que o filme esteja a ser mostrado aqui. Porque é esta geração, para a qual o filme vai ser projectado, que vai ter de tomar escolhas muito difíceis. Na realidade, foi a minha geração, a geração anterior à minha, que trouxeram o mundo ao quase colapso. A não ser que mudemos o nosso comportamento já nos próximos anos, a coisa vai ficar mesmo muito feia. Foi-vos [à vossa geração] entregue um desafio muito difícil.

- Voltando à música, qual é o papel da mesma nos teus filmes, como neste eco-documentário que vimos?
PW - A música é muito, muito importante a um vasto número de níveis: ajuda a compôr o ambiente, ajuda a contar a história e, muitas vezes, numa cena, as personagens podem estar a falar, mas a cena é sobre algo completamente diferente - a música é uma das maneiras de expôr o subtexto do filme, de partilhar com a audiência o contexto real do que estão a ver. Isto é muito fácil de ver nos filmes de terror. Se se tirar o som, se calhar nada é assim tão assustador. Outro exercício interessante é ver um dos nossos filmes favoritos sem som: é assim que se percebe o poder do design de som e do bom uso de música. Na conversa que fiz agora aqui [no FEST - Coca-Cola Cool Down], falei um pouco disso, para um realizador conseguir fazer bom uso de música num filme, tem de saber falar de música com o compositor, tem de perceber o tipo de música de que necessita em determinada cena: torna-se tudo muito diferente se usares um sintetizador ou uma guitarra eléctrica; um piano ou uma orquestra; música erudita ou música electrónica - há tantos géneros diferentes e é uma ferramento crucial.

- Falando de filmes - neste momento estás a trabalhar num projecto que, à semelhança de "Rapariga com Brinco de Pérola", também é inspirado num quadro - o "A Bolsa da Medusa". O que nos podes dizer sobre este novo filme?
PW - É um filme inspirado num quadro de Théodore Géricault. O quadro está no Louvre, é enorme - é como olhar para uma tela de cinema. Foi pintado em 1819 e por detrás do mesmo está um naufrágio - que na realidade foi a causa de uma crise política em França. É uma história muito interessante sobre corrupção política, nepotismo, bem como a forma como a arte é tão importante em retratar certos tempos e como pode ter um impacto político. Acho que tem muita relevância contemporânea. Para mim, por vários motivos: o quadro mostra estas figuras que sobreviveram a um naufrágio e estão desesperadamente a agarrar-se a um bote, reminiscente das imagens da crise de refugiados que se mantém nos dias de hoje; o quadro também é sobre apontar o dedo ao poder e nesta "era Trump" há lições importantes sobre as pessoas usarem todos os meios que poderem para resistir à opressão.

-Este ano foram anunciados benefícios fiscais para produções de cinema em Portugal...
PW - Qual é a taxa?

-...entre 20 a 25%.
PW - Fantástico, vou mesmo ter de vir cá fazer um filme! [risos]