FromNatureto all of usé uma oportunidade para conhecer melhor o meu trabalho, dedicado à investigação da essência intangível da “natureza”, materializado ao longo dos anos em diversos projetos, alguns dos quais ainda por concluir. Como o título sugere, as fotografias nesta exposição são apresentadas como um presente da natureza para todos nós, um convite à contemplação e reflexão sobre a nossa relação com o universo natural que nos envolve e do qual fazemos parte.
A palavra “natureza” acaba por ser uma ilusão linguística que nos engana ao sugerir uma separação entre nós e o mundo natural. Quando falamos de “natureza”, tendemos a imaginar florestas, oceanos e montanhas como entidades distintas e exteriores a nós. No entanto, esta distinção é artificial e ingénua, pois tudo é natureza. Nós somos natureza.
Esta palavra, ao criar uma barreira imaginária, distancia-nos desse todo do qual fazemos parte. A verdadeira essência da natureza não reconhece fronteiras entre o humano e o não-humano. Cada ser vivo, cada elemento, desde o menor grão de areia até às vastas galáxias, é uma expressão da mesma força vital que nos anima.
Ao utilizar a palavra “natureza”, corremos o risco de nos esquecermos que não somos apenas observadores externos. Bem pelo contrário, todos nós somos participantes ativos de um ecossistema maior do qual fazemos parte. A beleza e a harmonia do universo residem precisamente na ausência de separação, na unidade subjacente a toda a existência.
Para os seguidores do taoismo, uma tradição filosófica chinesa antiga, a natureza é a concretização do Tao, a essência primordial que flui de maneira harmoniosa e que equilibra o universo.
Reconhecer esta união subjacente a toda a existência é fundamental para uma relação mais profunda e respeitosa com o mundo que nos rodeia. No entanto, na nossa sociedade moderna, observamos uma constante erosão do belo. Esta erosão manifesta-se na forma como tratamos o ambiente, como se fosse algo alheio a nós e que podemos simultaneamente explorar e destruir impunemente.
A industrialização e o consumismo desenfreado têm contribuído para a degradação daquilo que é naturalmente belo. As florestas, que outrora se estendiam imponentes e intocadas, são agora cortadas e reduzidas a sombras do que foram. Os oceanos, vastos e misteriosos, estão repletos de plástico e poluição, sufocando a vida marinha que neles habita.
A beleza natural, que devia ser venerada e protegida, é muitas vezes vista como um recurso a ser usurpado para benefício económico. Esta visão utilitarista do mundo natural ignora a sua intrínseca beleza e o seu valor espiritual. Em vez de aceitarmos que fazemos parte de um todo, posicionamo-nos como dominadores, como senhores de um reino que, na verdade, nunca poderemos controlar.
Esta erosão do belo estende-se também às relações entre os seres humanos. Na busca incessante pelo progresso e inovação, demasiadas vezes negligenciamos a simplicidade e a profundidade das interações pessoais genuínas. A tecnologia, embora tenha o poder de nos unir, muitas vezes afasta-nos, criando barreiras invisíveis entre nós.
A mais-valia deste projeto não reside necessariamente na perfeição estética ou técnica da fotografia, mas sim no impacto provocada em mim e no impacto que alguma destas imagens, aparentemente triviais, possam causar a quem as contemplar.
Na realidade, a beleza está em todos nós e em tudo o que nos rodeia. Se nos permitirmos, por um momento, parar e respirar fundo… ela tornar-se-á aparente.
apresentação do livroRumo à Pesca— um barco, duas vidas, uma história deHelder Luís.
O livro será apresentado, no dia13 de Julho(sábado), pelas16 horas, naBiblioteca MunicipalRocha Peixoto naPóvoa de Varzim. A apresentação contará com a presença da Vereadora do Turismo, Agricultura e Pescas da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim,Lucinda Ramose do economista e especialista e consultor internacional em economia azul,Miguel Marques.
Ao longo de quatro anos, entre 2018 e 2022, acompanhei vários barcos da pesca do cerco do norte do país, com o intuito de documentar este tipo de pesca tão importante para Portugal, quer a nível socioeconómico, quer a nível cultural e o resultado disso foi o livro Sardinha, apresentado no início de 2023. Durante esse período, cruzei-me algumas vezes com o Rumo à Pesca, fotografando-o, quer em alto mar, quer num ou noutro porto de pesca ao longo da costa. Interessou-me particularmente o fato de o Rumo à Pesca ser um dos barcos mais antigos no ativo da pesca do cerco em Portugal e porque a sua origem estava ligada a uma história ainda mais interessante, que passava por Peniche. Este barco faz parte da história da pesca da sardinha e da construção deste tipo de embarcações, ocupando um lugar de destaque no movimento cooperativista das pescas em Portugal.
Estabeleci o primeiro contacto com a tripulação em setembro de 2019, no porto da Póvoa de Varzim, altura em que vieram a terra trocar de rede, mas só passado um ano é que decidi embarcar no Rumo à Pesca. Por essa altura já praticamente toda a frota do cerco do Norte me conhecia e as tripulações dos barcos em que ainda não tinha embarcado convidavam-me para o fazer. Foi o caso do Rumo à Pesca, através do seu maquinista, António Lara Marques.
Na primeira viagem fui conhecendo a tripulação e conversando com o armador e mestre António Pereira, que me foi contando um pouco da sua história e da história do Rumo à Pesca. Depois da primeira viagem, ficou claro de que se tratava de um barco interessante por várias razões. Por isso decidi embarcar novamente para documentar mais detalhadamente o barco, o trabalho e a tripulação, procurando detalhes que me pudessem ter escapado na primeira viagem. No conjunto, as duas viagens representam o dia a dia (e noite) do trabalho destas pessoas. Um trabalho que ainda depende, em grande parte, de uma numerosa mão-de-obra humana e que reúne a bordo cerca de 20 homens, ao contrário de outras artes de pesca que não atingem a meia dúzia de homens por barco. Além disso, as tripulações são constituídas maioritariamente por pescadores de Vila do Conde ou da Póvoa de Varzim e não se encontra para já muita mão de obra imigrante a trabalhar nestes barcos como em outras artes de pesca, o que resulta num ambiente quase familiar. Entre as dezenas de barcos da pesca do cerco existe uma camaradagem difícil de encontrar noutras artes de pesca, mais individualistas por natureza. Isso deve-se, também, ao facto de os pescadores terem frequentemente familiares a bordo, ou noutros barcos do cerco.
Este projeto autoral e editorial representa o meu olhar sobre a atividade do Rumo à Pesca, e sobre os homens que nele trabalham e que dele dependem. Fui guiado pela vontade de revelar, através das fotografias, momentos únicos de quem habita este pedaço de madeira cheio de vida. Por isso, estes registos visuais documentam momentos de trabalho, sentimentos e experiências partilhadas entre o homem e o mar. A narrativa principal do livro baseia-se essencialmente nas duas viagens realizadas em setembro de 2020, complementada no início por um conjunto de fotografias registadas entre 2018 e 2019 e no final por fotografias de um dos últimos encontros com a tripulação, em novembro desse mesmo ano. Estes momentos foram fundamentais para captar a essência do trabalho e o ambiente a bordo e a dinâmica entre os membros da tripulação, que constituem uma segunda família, unida pelo trabalho. Neste projeto, o barco e as pessoas geraram um ambiente único e propício, que me permitiu explorar novas formas de documentar a pesca do cerco e aventurar-me por outras opções estéticas.
As fotografias que registei resultam da combinação de vários elementos que se conjugaram de modo sugestivo. Desde o início do meu envolvimento neste tema, percebi que alguns barcos, depois de uma primeira viagem, se destacavam mais do que outros em termos do resultado do meu trabalho fotográfico. A interação entre as diversas cores dos barcos, o vestuário dos pescadores, a cor das dornas (contentores usados para armazenar o peixe), e até o tipo de iluminação artificial, juntamente com as dimensões e configurações espaciais de cada barco, contribuíam para a criação de fotografias mais ou menos distintas e impactantes.
As fotografias, captadas maioritariamente em 2020, documentam um fragmento da história do Rumo à Pesca. Passados quatro anos, o barco mantém-se o mesmo, apesar de várias visitas ao estaleiro. As alterações mais significativas terão ocorrido ao nível da tripulação. Alguns pescadores reformaram-se ou mudaram-se para outras embarcações. Novos pescadores integram agora a tripulação do Rumo à Pesca. Esta é uma realidade expectável na vida de um barco com 45 anos. Dezenas de homens fizeram parte do Rumo à Pesca, alguns dedicaram a maior parte das suas vidas a este barco e estão eternizados na memória coletiva impressa em cada tábua.
Vários fatores contribuíram para que este projeto assumisse a forma com que se apresenta neste livro. Inicialmente, foi a intuição que me impulsionou a fazer um esforço final e a embarcar no Rumo à Pesca, numa noite fria e com o mar pouco convidativo. Essa decisão revelou-se providencial, não só pela história do barco e pelo seu papel na história da pesca da sardinha, da construção naval e do cooperativismo nas pescas em Portugal, mas também pelo resultado surpreendente que me encorajou a continuar a embarcar.
O mar oferece momentos singulares que são difíceis de captar com uma câmera fotográfica. A essência da experiência tende a perder-se em qualquer meio que não seja a própria memória. Contudo, mesmo esta é falível e as suas recordações vão-se esbatendo com o tempo. Ainda assim, as fotografias, apesar de serem testemunhos limitados do que realmente aconteceu, constituem registos importantes de uma realidade que muitos poderão nunca ter a oportunidade de experienciar.
Este trabalho é um tributo à resiliência humana, à beleza que se esconde na rotina diária daqueles que o mar adotou como companheiros. É uma homenagem à simplicidade da vida entregue a um pedaço de madeira, onde cada dia traz a promessa de um regresso e cada noite se revela um desafio, um testemunho da eterna dança entre o homem e o mar.
“Sleeping Giants”(Gigantes Adormecidos) fotografado na sua maioria durante o confinamento pandémico de 2021 em Portugal, foi a minha resposta à paisagem desoladora da cidade e ao silêncio que experienciei durante os meus passeios noturnos. Nessa altura, caminhava entre uma a duas horas, todos os dias, à noite, e, depois de algum tempo em busca de alguma sabedoria ou orientação, encontrei as árvores.
No início, os meus passeios situavam-se sobretudo à beira-mar, em boa parte devido à ligação ao trabalho de fotografia documental em que estou envolvido, mas um dia decidi aventurar-me pelas ruas vazias da cidade. Nessa altura não havia um único ser humano à vista e os poucos seres vivos ao meu redor eram as árvores. Então comecei a contemplá-las, a observá-las detalhadamente e, eventualmente, a fotografá-las.
O título é uma referência às árvores como gigantes. Não como as gigantescas Sequoias, mas, ainda assim, como enormes seres vivos, muito maiores do que nós e que experienciam a vida numa escala de tempo completamente diferente da nossa. Talvez devido a isso os percecionamos como sábios.
Seres adormecidos porque fotografei no inverno, altura em que a maioria das árvores já perdeu as suas folhas e, também, porque, durante a noite, mesmo as que guardam as folhas, depois de um longo dia de fotossíntese, relaxam os ramos e entram num estado que, na sua maior parte, se assemelha ao nosso padrão de sono. No entanto, no inverno a maioria hiberna.
A exposição será inaugurada sábado,1 de Abril, pelas16 horase estará aberta ao públicodurante o mês de Abril.